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domingo, 17 de janeiro de 2010

Querido pai...

Aquele olhar era-me familiar. Um olhar seco mas com muito para me dizer. Lágrimas dele nunca vira saírem. Um olhar que diz sempre
Estou velho e cansado…
Custa-me tanto a ouvir aquilo sair duns lábios negros e robustos encaixados numa cara de história e rugosa. Uma cara com cicatrizes da Vida e de trilhos com bons e maus momentos. Solto sempre uma risada para não chorar. Cada vez que a cara dele se desvia não consigo deixar de olhar para ele e tentar transformar-me num pequeno animal que caiba no seu ouvido de orelhas de pobre para ouvir o que ele está pensando e ecoando naquela cabeça de cabelo curto e bem pequena. È raro velo rir à gargalhada mas quando o faz, é algo indescritível. Para além de electrizar tudo o que está à sua volta consegue fazer-nos rir e nunca mais parar.

Homem de poucas palavras e de poucas confianças. Homem de mãos rasgadas pelo maravilhosamente infinito Tempo. Braços marcados pelos estilhaços das granadas rebentarem ao seu lado na guerra. Cabeça rasgada pelo serrote que o seu pai lhe dera quando era mais novo. Um sorriso de marfim e bem branco a contrastar com o seu tom de pele. Mas mais que isso tudo os seus passos na Vida fazem-me calar o meu despertador do meu relógio só para o apreciar.
Deixa-me estupefacto o seu focar de olhos em algo que a muitos passa despercebido. Ele consegue ver, descrever e daquilo criar mais uma porta para as suas ancestrais histórias. Aquele seu parar de mãos nos bolso e pés tortos a olhar para o que ainda não consigo ver. Mas o que me irrita mais é tentar saber o que ele pensa e não conseguir.
Sou um bocado dele e do seu sangue. Sou um fruto dele e sei que quando era pequeno ele me abriu o coração e me colocou um pouco do seu olhar, para quando chegar à altura certa eu ver o que ele vê.
A sua frase que mais me toca e mais me intriga e ao mesmo tempo mais me deixa de um ignorante sorriso na cara…
“Todos temos o nosso dia marcado. Ninguém pode escapar ao chamamento. Até lá temos que cavar até nos doer as costas. E quando doer…iremos cavar ainda mais.”
Pessoa esta trilhada e consumida por tanta coisa que não diz cá para fora…mas ao mesmo tempo só a nossa troca de silêncios faz-me tremer a minha pequena bomba de sangue e faz me arrepiar até ao mais pequeno pelo do corpo.
Não há longos discursos no seu diálogo e não existe a palavra desistência no seu vocabulário. Tenho tanta coisa às vezes para lhe dizer e para lhe contar, mas em vinte e um anos (in) felizmente nunca lhe conseguir dizer nada. Ao mesmo tempo ele nunca me fez pergunta alguma sobre a minha Vida. Mas quando dou mais um passo em frente na minha Vida ele é o primeiro a largar um tijolo e  um corrimão para se eu tiver quase a cair me puder agarrar.
Gostava que ele vise o que eu vejo. Mas ao mesmo tempo sinto por vezes atrás da minha orelha esquerda um toque dele simplesmente a dizer:
“Eu estou aqui a ver-te não te preocupes”


As suas idas e voltas na minha Vida já foram acostumadas pelos meus olhos à quatorze anos. Mas quando estou com ele vêem-me sempre as lágrimas aos olhos de não lhe conseguir falar o que sinto, pois a sua presença é tão grande e importante para mim que me reduzo a migalhas e apenas fico sentado a observá-lo. Pessoa sempre com as palavras certas e no momento certo para as colocar. Nunca disse que o amava e tenho medo de ele um dia partir sem lho dizer. Gosto de o apreciar a fazer os seus afazeres e igualar os gestos e movimentos. Os seus feitos encorajam-me cada vez mais na vida e a um dia dizer-lhe o quanto o amo e o admiro.
Apenas uma vez na vida o ouvi dizer:
“Querido filho, estou muito fraco…”
Foi com esta frase que ganhei coragem e larguei umas lágrimas para escrever isto. Nunca o vejo com os meus olhos de vinte e um anos mas sim com um olhar de menino que parou no tempo. No tempo de 6 anos e sempre o esperou em casa para ele me vire babar e arrancar a orelha e sujar-me de tinta fresca das obras. Agarra em mim e levar-me aos fins-de-semana para a quinta e debaixo da chuva cavar o solo molhado e duro para plantar as batatas, macieiras e pessegueiros.
Sei que ele nunca vai ler isto mas as palavras escondem-se e entranham-se entre os meus dentes com a sua presença.
O amor que ele partilha com o resto da família tira-me o medo de ser o Homem da casa um dia. Seus trabalhos tiram-me o medo de um dia poder estar atrapalhado na vida. Aquele seu abraço seco e ao mesmo tempo quente passa-me sempre uma pequena mensagem de Amor.
No fim disto tudo torna-se a mais infantil criança quando brinca com a minha irmã de 10 anos. Só da vontade de dar-lhe dois murros na cabeça pois ainda consegue ser pior que ela.
Querido Pai…

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